Por António Galopim de Carvalho
O sal-gema ocorre em Portugal, quer na Bacia Sedimentar Meso-Cenozóica Ocidental ou Lusitânica, quer na Meridional ou Algarvia. Formou-se na base do Jurássico, no andar Hetangiano (203-200 Ma), distribuindo-se, em grande parte, ao longo de uma faixa nas fronteiras do Maciço Antigo com estas duas unidades estruturais.
À semelhança do que acontece actualmente no Mar Morto, entendido como um embrião de um oceano em abertura a partir de um rifte, consideram-se as formações salinas portuguesas relacionadas com um ambiente lagunar precursor da abertura do Atlântico Norte.
A continuidade da referida subsidência abriu estas bacias ao mar e à progressiva invasão pelas águas marinhas e formação de sedimentos salinos, com destaque para o sal-gema e o gesso.
Com a progressiva subsidência da bacia, estes evaporitos, submetidos à pressão litostática (a resultante do peso dos sedimentos que se depositaram por cima) e a temperaturas progressivamente mais elevadas (resultantes do gradiente geotérmico), tornaram-se plásticas, sendo “espremidas” para zonas onde a pressão fosse menor.
Aflorando ou subaflorando em diversos locais das ditas Bacias, muitas ocorrências destas rochas, sobretudo o sal-gema, mas também o gesso, foram sendo aproveitadas pelas populações que têm ocupado o território.
A exploração do sal-gema, em Portugal, tem sido feita numa escala muito inferior às suas potencialidades, situação que resulta, por um lado, da sua igualmente grande riqueza em sal marinho, de boa qualidade e uma tradição que remonta aos primórdios da sua história e, por outro, porque a importação de sal ainda é uma realidade entre nós ditada pelas regras do mercado, cada vez mais globalizado. Também o advento da refrigeração dos produtos alimentares contribuiu para esta situação, na medida em que levou ao abandono de muitas das artes de conservação pelo sal.
Embora se conhecessem, de há muito, fontes salgadas, como as de Porto Moniz (Leiria), Fonte da Bica (Rio Maior) e Tavira, os estudos com vista à localização das jazidas de sal-gema, em Portugal, datam dos finais do século XIX, começos do século XX, levados a efeito por Paul Choffat, ao serviço da então Comissão dos Serviços Geológicos (antiga designação do actual Laboratório de Energia e Geologia). Sucederam-lhe os trabalhos de Carlos Freire de Andrade, nos anos trinta, logo seguidos de uma importante campanha de sondagens destinadas à prospecção de petróleo. Destes e de outros trabalhos resultou a localização de sal-gema em Verride, Monte Real, Fátima, Torres Vedras, Montijo, Pinhal Novo e Loulé. Por outro lado, a prospecção geofísica revelou a existência de fortes anomalias gravimétricas, certamente relacionadas com diapiros salinos em profundidade, nas regiões de Vagos, Mira, Cantanhede, Alhadas, Soure, Porto de Mós, Santa Cruz, Sesimbra, Albufeira e Lagos. Todas estas localidades aguardam estudos que visem a sua exploração.
MINA DA CAMPINA DE CIMA
A mina subterrânea de sal-gema da Campina de Cima, em Loulé, com reservas para milhares de anos de exploração, operada desde Agosto de 2019 pela empresa Techsalt, SA, abriu em 1964, pela Clona-Mineira de Sais Alcalinos, SA, usando métodos mineiros tradicionais, a seco, com poços verticais com cerca de 260 m de profundidade, galerias e câmaras de desmonte.
Actualmente a lavra faz-se em dois níveis distintos, separados por cerca de 30 metros. O sal-gema produzido não é qualitativamente homogéneo havendo zonas da mina onde a halite é quase pura e outras onde aparece muito contaminada por sedimentos argilosos. A produção do sal mais puro era destinada às indústrias químicas do grupo CUF-Quimigal, acionista da anterior concessionária. A outra parte significativa da exploração era destinada para a produção de rações animais e exportação para diversos países da Europa do Norte, onde a formação de gelo nas estradas é mais relevante. O sal-gema com maior qualidade passou a ser importado do estrangeiro.
Com mais de 45 quilómetros de galerias (com 10 m de largura por 4 m de altura), esta que é a única mina portuguesa visitável, desce a mais de 230 m de profundidade, abaixo do nível do mar. Amplas e desprovidas de humidade, estas galerias oferecem óptimas condições ambientais aos asmáticos, que ali descem em busca de alívio. Atualmente, a mina, com galerias de grande dimensão e beleza, está aberta a visitas turísticas.
Ao serviço dos visitantes foi criado um percurso de interpretação com cerca de 1,3 quilómetros dentro da mina onde, com o auxílio de guias especializados, lhes é explicada a natureza geológica e mineralógica do sal-gema, e lhes são mostrados os processos de mineração antigos e atuais e apontadas as inúmeras aplicações desta importante matéria-prima ao longo da história,
MINA DE MATACÃES
Uma importante exploração de sal-gema esteve activa, durante cerca de 57 anos, numa massa de halite existente na estrutura diapírica de Matacães (concelho de Torres Vedras). A exploração, que se fazia por dissolução do sal, foi iniciada em 1957, tendo sido suspensa em 2014, quando a referida unidade fabril deixou de produzir carbonato de sódio. A água era injectada no subsolo e depois bombeada para a superfície já enriquecida em cloreto de sódio. Esta salmoura era depois enviada através de uma conduta com cerca de 52 km para as instalações da Soda Póvoa (atualmente Solvay Portugal) situadas na Póvoa de Santa Iria, onde se fabricava carbonato de sódio e peróxido de hidrogénio (água oxigenada).
EXPLORAÇÃO DO CARRIÇO
O sal-gema é ainda ocasionalmente explorado, por lixiviação, no Carriço (Pombal) onde subaflora uma estrutura salífera que se desenvolve ao longo de um importante alinhamento tectónico a que está associada a estrutura de Monte Real. A exploração, da responsabilidade da empresa Renoeste, S.A., é feita de forma temporária, estando associada ao processo de construção de cavernas em profundidade, no interior do corpo salino, usadas para armazenagem de gás natural.
SALINAS DE FONTE DA BICA
Na Fonte da Bica ou Marinhas Velhas, Rio Maior, há poços de água salgada abertos em terrenos formados por rochas salinas do Complexo de Dagorda, subaflorante nesse local. Esta água é lançada, por bombeamento, de um poço, em tanques (talhos), em número de 470, e aí evaporada, em cerca de seis dias, no Verão, precipitando o sal. Este processo de exploração vem desde tempos imemoriais. A repartição desta salmoura pelos salineiros obedece a um regime tradicional conhecido desde o século XII, escrupulosamente respeitado. Um litro de água do poço comum que abastece as salinas contém, em média, 220 g de sal (com 96% de NaCl), isto é, 6,3 vezes mais salgada do que a água do Oceano Atlântico. Existe aqui, hoje em dia, uma forte componente industrial na produção e armazenagens, estando as antigas “casinhas” de madeira a funcionar num tipo de comércio artesanal, muito virado ao turismo.
Em 1177 os Templários adquiriram 1/5 da água retirada do poço aos seus proprietários Pero de Aragão e Sancha Soares. Mais tarde, D. Afonso V foi proprietário de cinco talhos, além de que lhe pertencia 1/4 da produção dos restantes marinheiros (salineiros).
Historicamente, esta é a exploração mais antiga de sal-gema conhecida em Portugal e ainda em atividade. Como se disse, a importância do sal proveniente destas salinas ao longo dos tempos é revelada pelo interesse que nela tiveram os Templários e pelos impostos que os proprietários pagavam à coroa. Actualmente continua a extrair-se sal na Fonte da Bica sendo, no entanto, num volume de alguma forma limitado, tendo em consideração o método de produção e as exigências do mercado. Recentemente, a área envolvente foi beneficiada com o intuito de promover uma componente turística que aproveita a singularidade e rusticidade desta exploração de salinas longe de zonas ribeirinhas.
São do mesmo tipo, embora muito menos importantes, algumas fontes de água salgada de que temos exemplos em várias nascentes e poços, no Vale do Lena, em Maceira do Liz, em Águas Santas (Vimeiro), na Roliça (Óbidos). As antigas “Termas Salgadas da Batalha”, do tempo da ocupação pelos Filipes de Espanha, foram um aproveitamento deste tipo de ocorrência.